Vista Chinesa, de Tatiana Salem Levy

Caroline Barbosa
2 min readJul 30, 2023

--

Vista Chinesa (2021), de Tatiana Salem Levy, é narrado em primeira pessoa por Júlia, sócia de um escritório de arquitetura que trabalhava em um projeto para as Olimpíadas do Rio-2016 até que o pior aconteceu. Em um terça-feira de 2014, a personagem subia a Vista Chinesa para correr quando um homem armado a levou para mata e a estuprou.

Na narrativa não linear, a personagem escreve uma carta-testemunho para os dois filhos gêmeos, Antonia e Martim, alguns anos depois do abuso. Seu texto parte do medo das crianças acabarem ouvindo a história por outras pessoas na vida adulta, mas também do receio de ter passado sua dor, suas cicatrizes para ambos. Ela não quer que eles cresçam embalados no silêncio que este trauma lhe provocou.

Durante o processo de escrita, Júlia tenta elaborar o sofrimento a partir dos detalhes que vão surgindo em sua memória, além de apresentar sua vida após o acontecimento. Dessa forma, vemos a ausência de um tratamento digno durante a investigação policial, a dificuldade de contar para os familiares e a luta para conseguir visualizar um futuro após uma violência tão brutal.

A obra pode ser pensada como uma alterficção, termo elaborado por Anna Faedrich com base no conceito de alterbiografia de Anna Maria Bulhões-Carvalho, e que se refere ao ato de narrar a partir do outro. No caso do romance, a história aconteceu com uma das melhores amigas de Levy, Joana Jabace. Apesar da dificuldade de narrar o indizível, algo que a autora comenta em algumas entrevistas, a obra consegue promover a discussão acerca da violência sexual no país, seus desdobramentos e a possibilidade de se reconstruir mesmo na dor.

--

--

Caroline Barbosa
Caroline Barbosa

Written by Caroline Barbosa

Escritora, professora e pesquisadora de Literatura Contemporânea (@literarioafeto)

No responses yet