Resenha- Torto Arado

Caroline Barbosa
2 min readDec 6, 2020

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“Torto Arado” (2019), de Itamar Vieira Junior, venceu o Jabuti na categoria romance literário e, em 2018, o prêmio LeYa. Nele, conhecemos a história de Belonísia e Bibiana , duas irmãs que vivem no sertão baiano e que acabam sofrendo com as imposições dos donos da Fazenda Água Negra. Com este fio condutor, Itamar Vieira se desdobra em uma história sobre ancestralidade, resquícios da escravidão, festas de jarê e luta para uma realidade melhor.

A narrativa parece iniciar por volta da década de 1960 e desenrola os fios da existência de Belonísia e Bibiana da infância até a chegada da velhice. O grande estopim é a curiosidade das duas meninas com uma sacola da avó, Donana. Em um momento de descuido da senhora, elas encontram uma faca e quase como um chamado decidem colocar o objeto na língua, mas o que elas não imaginam é que a curiosidade marcará o resto de suas vidas.

Nesse contexto, Bibiana fica apenas com uma cicatriz, enquanto Belonísia perde a língua e não consegue mais usar sua voz. Elas se tornam extremamente próximas, com Bibiana atenta a todos os sinais da irmã e criando uma relação única de compreensão até seus caminhos divergirem, pois, apesar do afeto entre ambas suas personalidades e desejos são diferentes. Bibiana tenta lutar por uma realidade melhor para o seu povo junto com o companheiro e vai embora, enquanto isso Belonísia permanece cuidando da terra e atenta aos acontecimentos da Fazenda Água Negra.

Itamar Vieira Junior aborda o ponto de vista das duas irmãs e de uma terceira personagem (todas em primeira pessoa) em três partes chamadas de “Fio de Corte”, “Torto Arado” e “Rio de Sangue”. Ele consegue criar uma obra potente que aponta as dores da população do sertão de forma que se aproxima muito da oralidade, não apenas na linguagem, mas também no sentido de ouvir uma história ancestral, contada por muitos outros para chegar até nós e nos fazer refletir o que somos e para onde estamos caminhando. Além disso, a alternância dos pontos de vista e a presença majoritária de mulheres, construídas com cuidado e respeito, fizeram com que se tornasse um dos melhores livros que eu li nos últimos anos.

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Caroline Barbosa
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Written by Caroline Barbosa

Escritora, professora e pesquisadora de Literatura Contemporânea (@literarioafeto)

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