Resenha-O avesso da pele

Caroline Barbosa
2 min readDec 4, 2020

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“O avesso da pele” (2020) é o livro mais recente de Jeferson Tenório, lançado pela Companhia das Letras. Ele conta a história de Pedro, um jovem de vinte e dois anos que tenta viver o luto reconstruindo as memórias do pai, Henrique, assassinado brutalmente pela polícia depois de sair do trabalho.

Henrique morava em Porto Alegre, tinha cinquenta e dois e era professor de Literatura. Sua vida foi marcada pelo racismo. Ele foi parado pela polícia diversas, ouviu insultos em forma de "piada” quando entrou em um relacionamento inter-racial, teve que lutar contra os discursos que sempre pensaram nele como bandido ou usuário de drogas, e várias outras violências que atravessaram sua existência.

Ele tomou consciência dos efeitos do racismo na universidade e aprendeu que era importante preservar o que temos no avesso da pele. Apesar de sua relação com Pedro não ser linear, sabemos, através do menino, que ele ensinou ser necessário preservar nossa subjetividade, aquilo que ninguém vê, “pois entre músculos, órgãos e veias existem um lugar só seu único e isolado” e nesse lugar o racismo não pode nos tocar.

Para além da sua relação com o pai, Pedro desenrola a existência de outras personagens ao longo do livro, como sua mãe, Martha, a garota que ele gosta, Saharienne e sua tia, Luara. É interessante que Jeferson Tenório alterna os focos narrativos ao longo do livro, pois para falar de si, Pedro usa a primeira pessoa, para falar do pai ele usa o “Você” (que aparenta ser o diálogo com o pai, mas também com o leitor) e para contar a história de sua mãe ele desliza para terceira pessoa.

Mas como Pedro pode saber de tudo? Ele age como um narrador onisciente, mas nas páginas finais vemos que ele não busca escrever uma narrativa fiel em todos os aspectos, mas sim uma que reconstrua os passos do pai para que ele possa seguir em frente apesar da dor (“Por isso não estou reconstituindo esta história para você nem para minha mãe, estou reconstituindo esta história para mim. Preciso arrancar a tua ausência do meu corpo e transformá-la em vida” p. 183)

O livro de Tenório se divide em quatro partes, “A pele”, “O avesso”, “De volta a São Petersburgo” e “A barca”, que possuem capítulos constituídos por parágrafos únicos de frases curtas. Além do racismo e seus desdobramentos, o livro também comenta a situação da vida do professor na educação pública de forma cuidadosa, mas sem romantismos. Eu gostaria de falar muito mais sobre ele, mas o espaço não permite, então o que fica é que foi o melhor livro que eu li este ano e estou ansiosa para ler as outras obras do autor.

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Caroline Barbosa
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Written by Caroline Barbosa

Escritora, professora e pesquisadora de Literatura Contemporânea (@literarioafeto)

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