Resenha- Becos da memória
“Becos da memória”, de Conceição Evaristo, foi publicado pela primeira vez em 2006, apesar de ter sido escrito na década de 1980. É importante refletir sobre isso, porque vivemos em uma sociedade que relega as obras de autores negro-brasileiros ao esquecimento. No caso de Evaristo, o público leitor não permitiu o abandono de uma narrativa tão importante ao reescrever a história do povo negro a partir de um olhar atento e cuidadoso.
Nesta obra, Maria Nova percorre os becos da favela e de sua memória para apresentar uma colcha de personagens que vivem ao seu redor, entre choro, alegria, dor, festas e luta para uma realidade melhor. A menina gosta de ouvir histórias e age como um receptáculo das experiências dos mais velhos como Maria-Velha, Vó Rita, Bondade e Tio Totó. Eles são como os griots das antigas tradições africanas que eram responsáveis por passar as histórias e memória coletiva do povo. Em “Becos da Memória”, eles encontram o ouvido atento de Maria Nova para passar estas vivências.
O entrave do romance se dá pelo processo de desfavelamento que separa a jovem menina de todas as pessoas que fizeram parte de sua vida. Beto, Ditinha, Dora, Negro Alírio e ela mesma precisam partir, pois ainda carregam as feridas de um país que foi escravocrata e que não proporcionou melhores condições de vida para a população pobre e negra. Apesar disso, Maria não desanima e promete que mesmo sentindo todas as dores da desigualdade, do racismo, repassará as histórias de seu povo.
Conceição Evaristo nos apresenta uma narrativa fragmentada, não-linear, pois vamos juntos com Maria-Nova construir as memórias dos moradores da favela. Além disso, a autora realiza um trabalho primoroso com o narrador que em alguns momentos conta a história de forma onisciente e em terceira pessoa, enquanto em outras age na primeira pessoa do plural ao se incluir neste “nós”, a narrativa coletiva, . E este “nós” é importante porque a obra escrevivente proporciona ao leitor uma identificação muito forte com as suas próprias vivências, entrelaçando o lado de dentro e o lado de fora.