Resenha-A mulher de pés descalços
“A mulher de pés descalços” (2017), de Scholastique Mukasonga, segundo livro da trilogia que conta o genocídio na Ruanda, narra os costumes e tradições dos tutsis, que após os incidentes com os hutus foram obrigados a viver em uma região inóspita e com o medo de serem atacados a qualquer momento.
A obra começa com um pedido da mãe de Mukasonga, Stefania: as filhas deveriam cobrir o corpo dela quando morresse, pois, de acordo com a tradição, ninguém deveria ver uma mãe tutsi sem vida. Infelizmente, a autora não teve a oportunidade de cumprir essa promessa e a narrativa é uma forma de manter a memória da matriarca.
Ao longo de dez capítulos, ela aborda diversos aspectos das famílias tutsis: os esconderijos criados por conta da violência dos hutus, a colheita do sorgo, os rituais de beleza, as formas de preparar um casamento, como deveriam construir as casas tradicionais, chamadas de Inzu, e a alimentação.
“A mulher de pés descalços” é uma homenagem às mulheres tutsis que viviam com cicatrizes nos pés, sempre trabalhando nas colheitas, cuidando da alimentação dos filhos, conservando o fogo e protegendo sua cultura. Elas tentavam lutar contra o poder enorme da colonização que buscava impor vestimentas, modos de viver e acabava usando as crianças, que conseguiam ir para a escola, como catequizadores dos pais.
De forma memorialística, a obra prioriza as descrições, possui um aspecto sensorial e apresenta muitos relatos do cotidiano. Apesar de denunciar a violência do exílio, a autora também busca nesta narrativa humanizar e preencher as lacunas que ficaram após a morte de milhares de pessoas com a Guerra Civil na Ruanda entre 1990 e 1994. Com um tom que se aproxima da oralidade, de maneira delicada, ela consegue tornar essas pessoas mais do que números.
Mukasonga conseguiu exílio, mas, infelizmente, sua mãe ,muitos familiares, amigos e vizinhos, morreram no conflito. Além desta obra, ela também escreveu “Baratas” e “Nossa senhora do Nilo” para abordar os conflitos na Ruanda. Eu gostei muito do livro, mas é uma narrativa que aborda as dores de um povo e não é fácil ler que as pessoas amadas da vida da autora morreram de forma tão brutal.