Annie John, de Jamaica Kincaid
Annie John é uma criança feliz e rodeada de afeto. Ela ama acompanhar sua mãe em todos os lugares, pois sente orgulho da beleza da matriarca, além de ver nela a representação da segurança. O pai também lhe dá toda a atenção, mas é com a mãe, também chamada de Annie, que ela passa a maior parte do dia.
Um cenário muito bonito até que as transformações da adolescência entram em jogo. O corpo que se transforma, as antigas amizades que não fazem mais tanto sentido e a autoridade dos mais velhos, sinônimo de afronta à liberdade. No meio disso, a relação mais preciosa de sua vida muda: a mãe começa a ditar regras que antes não existiam, comenta que um dia a filha terá a própria casa e as palavras doces se tornam confrontos constantes. As duas se descolam da cumplicidade pregressa.
Esse é o mote principal do romance de estreia de Jamaica Kincaid, “Annie John” (2023), publicado pela primeira vez em 1985. Construído em primeira pessoa, acompanhamos a visão de Annie acerca das tristezas e alegrias acarretadas das mudanças na sua relação com a mãe e com o mundo.
O cenário da obra é a Antígua, anos antes de se livrar completamente da colonização britânica. Assim, a tensão entre Annie e a mãe se relaciona com a tensão entre a tradição local e as influências dos costumes europeus; o antigo e o novo. É o desejo da menina desbravar o mundo enquanto se afasta, com sentimentos ambíguos, daquilo que pra ela já é datado e ultrapassado.
“Annie John” é um romance curto centrado nas vivências da personagem principal. Assim, é impossível não criar carinho por Annie e desejar saber mais sobre as suas aventuras. E é importante destacar que a menina não é nenhuma santa: ela é inteligente, mas soberba; doce, mas também muito malvada; carinhosa e insensível. Justamente por ser assim tão humana, tentando se conhecer e construir uma identidade, que eu me encantei com ela.